sábado, 4 de dezembro de 2010

Missões Urbanas: Limites entre cultura e valores opostos ao Evangelho

Para iniciar nosso estudo, trabalharemos três conceitos de missões:

• Fundamentalismo missiológico: Rejeita a cultura, demonizando-a e se fechando para aquilo que ela pode oferecer.

Exemplo de fundamentalismo missiológico: Igrejas plantadas por missionários europeus e estadunidenses em meados do século 19 e 20. Os missionários impunham padrões de vestimenta européia aos habitantes de países tropicais. Também importavam seus instrumentos e cânticos, não valorizando a cultura autóctone. Tal tendência pode ser observada nas igrejas pentecostais.

• Liberalismo missiológico: Absorve a cultura, mesmo em seus aspectos negativos, culminando em paganizarão da fé

Exemplo de liberalismo missiológico: O movimento missionário cristão pós-constantino, que tinha como estratégia absorver a cultura dos países aos quais pregava, sem questionar a validade de tais práticas. Assim, a igreja sacramentalizou a cultura, colocando-a acima do evangelho. Tal tendência pode ser observada no catolicismo, no neopentecostalismo (contextualizando com a cultura capitalista) e no movimento emergente liberal, que trata questões como aborto e homossexualismo como demandas culturais, ao invés de práticas pecaminosas.

• Evangelismo missional: Dialoga com a cultura absorvendo e respeitando os valores que servem ao evangelho, ao mesmo tempo em que rejeita aquelas noções, muitas vezes tidas como culturais, que estão em oposição ao evangelho de Cristo.

Exemplo de evangelismo missional: A pregação de Jesus a mulher samaritana, onde o mestre pregou a mensagem de salvação a partir do contexto cultural daquela mulher; Paulo no areópago de Atenas, ao citar os filósofos pagãos em sua mensagem, criando uma ponte cultural através da qual introduziu o evangelho.

No entanto, o evangelismo missional dialoga com a cultura, sem ignorar o fato das culturas estarem manchadas pelo pecado. Assim, ele reconhece que nem tudo que é tido pelo homem moderno como valor cultural é aceitável diante de Deus. No fundamentalismo missiológico, a cultura é ignorada; no liberalismo cultural ela é endeusada e sobreposta ao evangelho. Já o cristianismo missional conversa com as diferentes culturas usando-as como ferramenta de contextualização, ao mesmo tempo em que rejeita valores culturais que se opõem a mensagem cristocêntrica.

Usando a cultura em favor do evangelho: Construindo pontes culturais para pregar o evangelho em um ambiente cultural diversificado

Se pudermos resumir a missiologia urbana e transcultural em uma só palavra, esta palavra é contextualização. Contextualizar significa apresentar idéias e pensamentos levando em consideração o contexto das pessoas, de modo a comunicar os fatos com maior clareza. Houve um tempo em que a contextualização era um principio distante, uma ferramenta usada apenas pelos missionários transculturais. No entanto, as demandas do mundo moderno e o ambiente policultural fazem da contextualização uma ferramenta indispensável à igreja contemporânea. A igreja que não contextualizar sua mensagem fossilizará e se tornará irrelevante para a sociedade ao seu redor.

Em Atos 17, o apostolo Paulo fez seu célebre discurso no areópago de Atenas. Cercado pela elite intelectual daquela cidade, ele apresentou um sermão engajado, no qual citava de memória os filósofos e poetas gregos, demonstrando afinidade com os temas de predileção daqueles homens. E foi assim, começando pelos poetas gregos que o doutor dos gentios conduziu seus ouvintes a mensagem de arrependimento. Quando Paulo mencionou a ressurreição, muitos se escandalizaram e se foram, mas Dionísio e alguns dos presentes se converteram ao cristianismo. Paulo foi sábio porque soube usar a cultura em seu benefício, construindo uma ponte por meio da qual introduziu o evangelho.

O diálogo de Jesus com a mulher samaritana, em João capítulo 4, também é fundamental para nosso entendimento acerca da contextualização. Nele, Jesus aborda o tema da salvação usando um dos elementos que fazia parte do cotidiano daquela mulher, a água. Ele era judeu, ela uma samaritana, e havia uma grande rivalidade entre ambos os grupos, mas Jesus iniciou seu diálogo a partir de um ponto em comum: o poço de Jacó (que era historicamente importante para judeus e samaritanos), e a sede existencial que todo ser humano tem. Assim, Jesus conseguiu apresentar o evangelho a mulher de forma eficaz, e ainda foi introduzido por ela a aldeia dos samaritanos.

Em todas as culturas existem determinados elementos que são comuns, e que devem ser explorados pela igreja em sua tarefa missionária. Uma igreja que deseja ser relevante deve estudar o grupo que deseja alcançar e, a partir desta analise, definir o tom da palestra, o estilo litúrgico, os ritmos musicais, a decoração do ambiente e definir as estratégias que facilitarão o diálogo com as pessoas que ela deseja alcançar. Se a igreja for “poli” ou “multicultural”, é bom que ela tenha programas específicos e ministros auxiliares que atuem como missionários para cada grupo alcançado (crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos, estudantes, universitários, profissionais, undergrounds, etc.). Não pode, porém, permitir que a abordagem ocasione divisão ideológica ou partidarismos, pois a igreja é um misto de povos, línguas, etnias, todos em torno de uma só verdade.

Por ultimo, deve-se sempre lembrar que na contextualização o que varia é a apresentação, e não o conteúdo. O missionário é aquele que apresenta a mesma verdade de diferentes modos à diferentes culturas, e não aquele que apresenta verdades diferentes a cada cultura. Os métodos podem variar, mas o conteúdo é sempre o mesmo.

Quando os valores culturais conflitam com o evangelho: Uma abordagem missiológica da cultura da América Ibero-hispana

Um vídeo divulgado pela JOCUM mostra crianças portadoras de deficiências sendo enterradas vivas pelos pais em uma aldeia indígena. Para os índios daquela tribo, tal prática é aceitável. Para os antropólogos, trata-se de uma questão cultural. Para o evangelho, aquilo é assassinato.

No Brasil, ainda existe uma forte tendência machista, que despreza o trabalho feminino. Mulheres que trabalham ganham menos, mesmo que exerçam a mesma função. Para grande parte dos homens brasileiros, isso é um valor cultural, mas para o evangelho, isto é acepção, por tanto, pecado. Na América Hispana a mesma tendência cultural existe, sendo mais forte em algumas regiões. Demonstrações de afeto dos pais para com os filhos são tidas como fraqueza, e muitos maridos, por “imposição cultural”, maltratam suas mulheres e são violentos. Para a sociedade isso é cultura, mas para o evangelho, é pecado.

Nos EUA e na Europa, as pessoas tem desenvolvido uma tendência materialista e cética, onde o individualismo e o egoísmo são as marcas principais. O mesmo tem acontecido na América Latina, embora com menor intensidade. Este individualismo, egoísmo e ceticismo são todos nuances da cultura pós-moderna, mas são totalmente opostos ao evangelho, que é espiritual, coletivo e altruísta. O que os modernos sociólogos chamam de cultura, a bíblia chama de pecado.

Assim, podemos concluir que a abordagem comum que se faz da missiologia, que diz que o missionário deve coincidir totalmente com a cultura é sofisma. O evangelho não é uma esponja que simplesmente absorve a cultura, mas um poder que redime as culturas. A Palavra de Deus nos dá claro e amplo entendimento para discernir entre valores culturais e vícios morais. Quando se ignora isso, abrem-se as portas para o sincretistimo e paganizarão da religião cristã.

O princípio redentor da cultura na bíblia sagrada: Como o evangelho desafia os pressupostos culturais

Na Bíblia vemos diversos exemplos que nos possibilitam vislumbrar os limites entre cultura e pecado. Talvez o primeiro deles seja a recomendação do Senhor ao seu povo, quando eles entram na Terra Prometida, de que eles não deviam seguir os caminhos das nações. Obviamente, muitas daquelas noções religiosas cananéias eram parte de uma cultura, mas elas não deviam ser absorvidas pelos hebreus. Embora usado pelos missiólogos como paradigma de missionário transcultural, o estadista Daniel, juntamente com seus amigos, se recusou a comer dos manjares do Rei, e também não tomou do seu vinho, que era consagrado a ídolos. Eles estavam submersos na cultura babilônica, mas sabiam separar pressupostos culturais, conceitos morais e crenças religiosas (Cf. Daniel, cap. 1 - grifo nosso).

Jesus em sua encarnação foi judeu em todo aspecto da existência. No entanto, o fato dele mesmo ser judeu e de estar contextualizando com os judeus não o impediu de denunciar a hipocrisia dos fariseus que lavavam as mãos cerimonialmente antes de comer, quando seus corações continuavam impuros. Ele também se levantou contra o costume de consagrar seus bens ao Senhor quando parentes próximos passavam necessidade. Jesus foi missionário transcultural, mas não se submeteu incondicionalmente a cultura hebréia. Ele a redimiu. Tudo isso nos revela que o evangelho não é apenas um agente passivo e submisso à cultura, mas um agente transformador.
“O evangelho se submete à cultura na mesma proporção em que a cultura se submete ao evangelho, e desafia a cultura com a mesma intensidade que a cultura afronta a Palavra de Deus”

Conclusão

O tema deste estudo é na verdade uma incógnita no coração de muitos missionários urbanos e transculturais: “Como pregar o evangelho em um ambiente multicultural?”. Entendemos que a primeira coisa que o missionário deve fazer é encontrar a divisa entre a valorização da cultura e a absorção de valores opostos ao evangelho, posicionando-se de modo que lhe possibilite comunicar a mensagem de forma contextual e engajada, ao mesmo tempo em que resguarda os pressupostos absolutos contidos nas Escrituras.

Para isso ele deve usar a cultura a seu favor, rejeitando aqueles valores que, embora tidos por tendências culturais e modernas, se opõem ao evangelho. Ele deve dialogar com a cultura e usá-la como ferramenta pedagógica, mas não pode jamais endeusá-la, sobrepondo-a ao evangelho de Cristo. Por último, deve entender que o evangelho não é apenas um agente passivo e submisso à cultura, mas um agente transformador que muitas vezes se revela como principio contracultural, desafiando o status quo e redimindo a cultura ao nosso redor.

Fonte: NAPEC

Em Cristo Jesus,
Pr. Artur Eduardo